CrossFit não é apenas exercício
Você pratica CrossFit há dois anos. Consegue acompanhar os treinos. Executa os movimentos. Mas algo mudou. Mesmo suando e marcando pontos no quadro, sente que parou de evoluir. É uma sensação frustrante, mas comum. Segundo o treinador Stephane Rochet, redator sênior da CrossFit e coach certificado (CF-L3), em seu artigo “The Training Mindset: CrossFit Isn’t Just Exercise” publicado no site oficial da CrossFit, essa estagnação tem uma causa simples: a mentalidade errada. “A diferença entre o que você está fazendo e um treino de verdade pode ser a peça que falta para você alcançar o próximo nível de condicionamento físico”, afirma.
Há uma década, a Nike lançou um slogan que virou um divisor de águas: “Pare de se exercitar, comece a treinar.”A mensagem era clara. Não se trata apenas de se movimentar. É preciso ter um plano, um propósito e uma direção. Para Rochet, o CrossFit representa exatamente isso. Ele explica: “Criamos uma enorme variedade de treinos eficazes para desenvolver uma capacidade ampla, geral e abrangente. Definimos claramente nosso objetivo: melhorar o condicionamento físico e aumentar a capacidade de trabalho em amplos domínios de tempo e modalidade.” No entanto, muitos praticantes confundem a rotina de treinos com progresso real. Focam apenas em completar séries e tempos, mas esquecem que o verdadeiro crescimento está em como se move, e não em quanto se move.
A diferença entre exercitar-se e treinar CrossFit
Para o especialista, exercitar-se é agir no modo automático. É apenas completar a tarefa. “Exercitar-se significa focar no trabalho que precisa ser feito hoje”, diz Rochet. Treinar, por outro lado, é um processo consciente. É estar presente em cada movimento, buscando excelência a cada repetição. Durante um treino de thrusters, por exemplo, o objetivo não deve ser apenas terminar rápido. É necessário manter a postura correta, impulsionar pelos calcanhares e sustentar a linha da barra. “Cada repetição se torna uma oportunidade para praticar a excelência sob pressão”, explica. Essa abordagem exige atenção, disciplina e humildade. O atleta que treina busca progresso técnico, não apenas suor. O foco deixa de ser o placar e passa a ser a qualidade do movimento.
O CrossFit, desde o início, construiu sua metodologia sobre três pilares fundamentais: mecânica, consistência e intensidade. Primeiro, aprende-se a técnica. Depois, garante-se que ela seja repetida de forma estável. Só então é hora de adicionar intensidade. Porém, quando o praticante deixa de ser iniciante, esse ciclo parece se perder. “Quando deixamos de ser iniciantes, esse processo deixa de ser linear”, adverte Rochet. É nesse ponto que muitos passam a se exercitar, e não mais treinar.
O ciclo contínuo que gera evolução no CrossFit
Rochet explica que o verdadeiro treinamento não é uma linha reta. É um ciclo constante de aprendizado, ajuste e aprimoramento. Primeiro, domina-se a mecânica. Depois, desenvolve-se a consistência. Só então chega a hora de aumentar a intensidade. A cada novo estímulo — mais carga, mais velocidade ou maior volume —, o corpo precisa reaprender o movimento. “Cada pequeno incremento de intensidade exige prática da mecânica e desenvolvimento de consistência nesse novo nível”, destaca.
O treinador lembra que essa abordagem não termina nem mesmo para os atletas de elite. “Rich Froning fazia séries de 50 agachamentos livres durante o aquecimento porque sabia que havia detalhes que podia melhorar — mesmo depois de vencer vários CrossFit Games.” A busca pela perfeição técnica é interminável. Um levantador olímpico, por exemplo, pode gastar anos aprimorando a trajetória da barra ou o tempo da puxada. Até mesmo um movimento simples, como uma flexão de braço, pode revelar oportunidades infinitas de refinamento.
Rochet resume o ideal do treinamento com números claros: “O objetivo é conseguir se mover em uma velocidade desconfortável, atingindo os pontos principais da execução em 95% das vezes e os detalhes mais finos em 80%, enquanto ultrapassamos os limites da intensidade.”
A arte de treinar no CrossFit
Essa filosofia vai além do físico. É uma questão de mentalidade. Treinar é uma arte. É o processo de transformar cada repetição em aprendizado e cada treino em evolução. Para começar essa mudança, Rochet sugere três passos simples. Primeiro, diminua o ritmo do aquecimento e use cada movimento como prática técnica. Segundo, escolha um foco técnico por sessão — um detalhe que merece atenção. Terceiro, ajuste a intensidade para preservar a forma. Se a técnica falhar, reduza a carga ou o ritmo.
Essas mudanças pequenas geram grandes transformações. Afinal, treinar não é apenas suar. É construir habilidades sob pressão. Rochet conclui com uma reflexão poderosa: “O caminho do exercício ao treinamento não se resume a fazer treinos diferentes; trata-se de encarar cada treino com a mentalidade de um artesão aprimorando sua arte.” E é exatamente essa mentalidade que separa quem apenas se exercita de quem, de fato, evolui.
